Comentário de Dimas Macedo sobre o livro “Curral de peixes”

Curral de peixes (São Paulo, Editora Patuá), de Léo Prudêncio, confirma a qualidade e a economia de palavras de um poeta consciente do seu ofício literário, fazendo poesia com aquilo de que ela necessita: a atenção para com a palavra, a fuga com relação ao discurso. Léo, na sua produção anterior, já demonstrou que conhece as formas do Haikai e da poesia de poder verbal e imagético, porque as ideias e a busca de lógica para a construção do poema são armas de que se valem apenas os poetas sem vocação para a poesia. O posfácio/estudo crítico do Dércio Braúna, outro escritor que domina com maestria a sua produção literária, distingue o conjunto dos poemas. Prudêncio irmana-se com alguns dos melhores poetas cearenses de sua geração, entre eles, Mailson Furtado, Bruno Paulino, Alana Alencar, Renato Pessoa, Lisiane Forte, Rodrigo Marques, Dauana Vale e outros (raros) que me fogem agora da memória.

Arnaldo Antunes: por uma poética pós-concreta, hipermoderna – Texto que acompanha a orelha do livro por Djavam Damasceno

O verso, o poema concreto, a canção, a performance, a colagem, a instalação, a caligrafia, o etc. Todos são objetos de expressão para a poética múltipla de Arnaldo Antunes. Variantes de uma invariável, essa diversidade certamente constitui um desafio para o crítico que se proponha a pensar essa obra. E é o núcleo desse desafio que o olhar sensível do também poeta Léo Prudêncio encara de frente. O autor pensa a produção de Arnaldo a partir da poesia concreta, mas, também e especialmente, a partir de sua extrapolação, do desdobramento e desbordamento que a obra analisada opera das fronteiras estabelecidas pelo Plano Piloto. Nesse sentido, o conceito de hipermodernidade apresentado aqui é crucial. A partir dele, podemos depreender que a proliferação semiótica arnaldiana diz muito mais respeito a um princípio de equalização entre linguagem poética e o mundo (hiper)moderno, do que à filiação restrita a um concretismo ortodoxo. E Léo nos aponta – e essa é uma das grandes belezas de seu trabalho – que talvez seja justamente esse movimento de superação do concretismo em direção à contemporaneidade que permita Arnaldo Antunes realizar aquele que seria o programa subjacente à poesia concreta: o de experimentar os riscos e os limites semióticos do dizer, mas também a sua eficácia, o seu encanto.

(O livro Arnaldo Antunes: por uma poética pós-concreta, hipermoderna é resultado da dissertação de mestrado em Crítica literária pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás)

O matador de cangaceiros – ATO 1

(instrumental de pífanos. ninguém no palco.)

(o prefeito chega ao escritório de sócrates, o matador de cangaceiros. ele entra pela direita enquanto sócrates está sentado à escrivaninha, bem-vestido com paletó, gravata e chapéu. aparentemente está sozinho. o prefeito está acompanhando de um soldado que fica na porta acompanhando em silêncio toda a ação).

(encerra o instrumental de pífanos.)

prefeito

boa tarde! sou o prefeito de uma cidade aqui próxima e vim falar com o famoso caçador de cangaceiros, que atende pelo nome de sócrates, por acaso é tu?

sócrates

sô eu. i’si vêintéqui onde tô é purque tem certeza di quem sô e confia nu’qui faço. qui deseja?

prefeito

apenas ouvi seu nome na propaganda boca a boca que arrodeia o sertão. vim aqui, como tu já deve presumir, à procura de teus serviços. chegou ao meu conhecimento que o bando do cangaceiro oséias quer invadir minha cidade e… mas primeiro quero saber mais do seu histórico de caçador de cangaceiros.

sócrates

(mudando de assunto) tâbéim ôví buato sobr’uma tropa di’cangaceiro arrudian’a cidade, só num sabia qual bando si tratava.

prefeito

bom, mas eu lhe conheço de propaganda e não tenho certeza do mérito de seu trabalho, pois nunca o vi em ação, e nenhum dos coronéis, que por aqui conheço, e com que tenho contato, também não sabem, ou não viram, ou não tiveram conhecimento de suas andanças como um matador de cangaceiros. mas o povo, que me elegeu e de quem sou representante, muito divulga os teus trabalhos, a voz do povo me trouxe até aqui.

sócrates

ora… veja bem, sinhô prefeito! (levantando-se) dus’qui mataram virgulino lampião na encruzilhada qui’aculminou im sua captura e execução… eu tava era lá! i aqui istô pra’lhi contá naum apenas a história, pois eu próprio sô a história!

prefeito

ora… veja!… já dizia meu avô que “um homem deve demonstrar o seu valor mais pela palavra dita do que pelo que traz no bolso e o que guarda no banco”. eu lhe dou meu voto de confiança, disso esteja certo! mas me diga outra coisa, como é que pretende dar um jeito nesses cabra? porque pelo que vejo é só tu aqui nessa casinha de taipa.

(silêncio)

prefeito

ou tem algum capanga seu em serviço pelo sertão e por isso não está aqui?… e que armas você pretende usar para enfrentar um bando inteiro?… não vejo nem peixeira, rifle ou espingarda por aqui. isso muito me desembesta. me conte teu plano.

sócrates

(convicto) seu prefeito… seu prefeito… si eu lhi contá das minh’artimanha, como matadô de cangaceiro, o sinhômanda abrir uma firma com’a minha e fica c’us crédito tudim pru sinhô. confii nu’ômi i terá sucesso im potregê sua cidade, i…, veja bem!… poderá inté ganhá releição!

prefeito

(pensativo) hum… tudo bem. tudo bem. mas por quanto sairá teu serviço? que, de antemão, adianto, só será pago após a confirmação do extermínio desse bando dos arredores de minha cidade.

sócrates

oito conto e naum si fala mais nisso.

prefeito

(pensativo) oito conto… tá certo. mas lhe proíbo de dizer que fechou negócio comigo… não está autorizada a divulgação de sua façanha por aqui. assim como também só irei lhe pagar quando todo o bando estiver morto e, claro, comprovadas as mortes. se bem que ainda estou com pé atrás por não saber de seus métodos.

(silêncio)

prefeito

não é possível apenas um homem dar conta de assassinar uma corja inteira de cangaceiros. quem souber de um acordo desses… serei motivo de piada por todo o meio político da região.

sócrates

sussegui, seu prefeito! confii nu’ômi! naum irá si arrependê i nem vortá atráis na iscolha de meus’erviço. mas quem pode mim assegurá qui’u sinhô vai mim pagá? imagini só, eu mato u-bando i depois u sinhô mi passa a perna! hein?!

prefeito

(batendo, levemente, a mão na mesa) confie no homem… cumpra com a sua palavra e terá seu dinheiro.

sócrates

é bom mermo purque (em tom de ameaça) naum vamo querê um prefeito morto, naum é verdade? (aproximando-se do prefeito) saiba qui naum’im intimida nem um pôquim tê-um soldado vigiando sua retaguarda, ô até mesmo um pelotão. podi vim quantos sejam, podi sê quantos fô! porque u-homem é bicho qui naum mim intimida!

prefeito

(olhando para os lados examinando o escritório e se afastando de sócrates) não tente nada comigo porque não ando sozinho e nunca fico completamente sozinho. eu sei como anda a falta de segurança no sertão. entrei apenas com um guarda pra demonstrar apoio e convicção nos teus serviços. (mudando de assunto) mas… e só tem tu aqui mesmo nessa casinha?

sócrates

aqui u político é tu. sô eu qui deveria disconfiar e naum u contrário. mas, si por’acaso, inda quisê discombinar u negócio… inda tem tempo.

(silêncio)

prefeito

viajei seis léguas pra chegar aqui. foi tempo suficiente pra pensar em meus atos.

sócrates

tempo suficiente pra tâbéim está certo do qui-quer-di-mim i tempo suficiente pra colhê informação a meu respeito. mas as veiz a língua do povo é maldosa e naum perdoa a seu ninguém.

prefeito

pelas informações que obtive durante o trajeto, o que sei é que você esteve na tropa do massacre contra o bando de lampião na grota dos angicos, feito que tu acabou me confirmando depois em nossa conversa… ao menos em palavra tu confirmou isso. me contaram também que quem cortou a cabeça de um dos cangaceiros do bando foi tu. poderia me contar como foi? tenho curiosidade de saber como foi o ataque ao bando de lampião, e vindo de quem participou diretamente da ofensiva é algo raro. só sei do relato através da poesia de cordel. e, como tu sabe, tão bem quanto eu, a poesia tem esse dom de romantizar a vida e seus feitos. o poeta é um sujeitinho que gosta de pregar peça nos outros.

sócrates

foi uma incruzilhada planejada pelo tenente. chegamo ao isconderijo dos cabra lá pelas cinco-da-manhã i pegamu todo o bando durmino. chegamu de mansim, mas, logo depois, fomo tacano tiro e matano quem qué-qui’a gente avistassi pelo camim. lampião e maria bonita foram os primeiro. dos trinta cabra matamo onze. mutilamo os corpo e deixamo ele a céu aberto pra’qui os urubu comessi. as cabeça foram decepada e’a-di maria bonita foi cortada com ela inda’viva. a cabeça di’lampião sofreu deformação facial devido as coronhada que levô. as cabeça di tod’os cangaceiro morto foram exposta em cima de lata de querosene na escadaria d’uma ingreja. depois disso naum sei o que’quiu tenente feiz.

prefeito

tu é quase um patrimônio do nordeste. bem que me contaram.

sócrates

se vosmecê sabe tanto… intão por que a disconfiança? si’u povo falô é porque é verdade. povo naum menti.

prefeito

sim. sei. compreendo a sua insatisfação e peço desculpas pelas palavras que proferi. não quero gerar desafetos. quero trabalhar em conjunto. até porque se tu expulsar o bando do cangaceiro oséias… ajudará na minha reeleição.

sócrates

positivo, sinhô prefeito.

prefeito

(depois de um breve silêncio) por que deixou a profissão de soldado, se foi um dos heróis na luta contra o maior líder do cangaço? acredito que um feito desse deve lhe ter proporcionado ao menos um reconhecimento e quem sabe uma promoção em seu serviço.

sócrates

um matadô de aluguel ganha mais qui’um reles macaco do gunverno.

prefeito

(surpreso) então não mata apenas cangaceiros? não sabia que era também um matador de aluguel.

sócrates

(caminhando a esmo) sempre fui. exercí a profissão inda na época di soldado. mas… como já falei… matá por aluguel além de’dá mais dinhêro eu me divirto.

prefeito

como matador de aluguel quem e quantos já matou?

sócrates

(pensativo) num digo quem… mas posso dizê, por alto, uma média di quantos podi tê sido… uns cinquenta já devo ter encaminhando pru’céu… i pr’inferno uns vinte i tanto.

prefeito

e tirar a vida de alguém por profissão num te faz sentir receio do inferno?

sócrates

me-define inferno primêro! inferno deve sê isso qui’a gente vive todo santo dia. tendo qui lutá pra comê, pra vesti i pra sobrevivê. na verdade a gente tenta é sobrevivê, purque vivê mesmo nois num vive… num vai me dizer qui’a vida num teima em sê céu e ao mesmo temp’inferno?

prefeito

sim… concordo com vossa senhoria. mas então… por que disse que mandou tantos para o inferno e tantos para o céu?

sócrates

é tudo uma questão di metáfora. pensei qui’tu fosse bom na gramática, na retórica e na literatura! i naum me venha falá de temor d’inferno pru’meu lado. até porque si veio contratá meus serviço isso ti faiz um cúmplice. s’existi algum castigo ‘pós-morte devido aos meu serviço como matadô naum serei eu u’único a sê cobrado por meus ato. eu posso sê um executô da’vida, mas pra’isso tem que existir’um compradô di serviço, quem manda matá tâbéim é cumplice de assassinato.

prefeito

por acaso não é católico?

sócrates

quem iscolhe uma vida como’a-minha só podi tê muita mágoa com’o sê humano. acredito nu deus inabitável in-nóis.

prefeito

entendo.

(silêncio)

sócrates

intão só digo mais uma veiz: ô paga os oito conto, ô negócio desfeito. naum me importo si acredita ô naum nu’qui-falo. na vida real o’qui manda é o dinhêro i naum a palavra. ô paga, ô intão acordo disfeito.

prefeito

(convicto) amanhã pela manhã, antes do meio-dia, um vaqueiro meu vem aqui lhe fazer o pagamento. e tenho dito.

(os dois se cumprimentam com um aperto de mãos. o prefeito sai. sócrates coloca um papel na máquina de escrever e datilografa alguma coisa. silêncio enquanto a luz vai aos poucos se apagando no palco.)

José Alcides Pinto: um século de histórias

Espertamente, Dimas Macedo anotava em segredo tudo o que José Alcides Pinto lhe confidenciava sobre a sua vida. E em segredo, Macedo foi rascunhando um texto biográfico que viria a público em 2002 sob o título A face do enigma, essa obra é hoje uma referência para todos os que se comprometem a estudar a obra de Alcides Pinto.

E assim começa o referido livro de Macedo: “Filho de pais marcadamente sertanejos, da zona norte do Estado, nasceu o nosso biografado no distrito de São Francisco do Estreito, município de Santana do Acaraú, aos 10 de setembro de 1923. Na pia batismal tomou o nome de José, o mesmo do pai e em louvor do Santo, padroeiro do Ceará.” Caso estivesse entre nós, o autor cearense completaria um século de vida. Cessem o que a retórica diz, o poeta está vivo e celebramos os seus 100 anos.

Filho de ciganos, andarilho por natureza, Alcides Pinto percorreu algumas cidades e lugarejos que ficaram marcadas na sua trajetória de vida e em sua literatura: Massapê, Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro foram alguns dos lugares por onde viveu em seus 85 anos de vida. A sua trajetória literária começa com a publicação do folheto Canto da liberdade, a data de sua publicação diverge um pouco, mas é quase consenso entre os pesquisadores que ele tenha publicado este poema em 1945, porém este livro não foi localizado por nós, pois, todos os exemplares que Alcides Pinto teve acesso e soube de sua existência foram destruídos por ele. Trata-se de uma obra renegada por seu autor. Os seus últimos livros, editados em vida, foram O algodão dos teus seios morenos e Diário de Berenice, ambos de 2008.

Pelos trabalhos de pesquisadores alcidianos é dado como início de sua trajetória literária a organização e participação da Antologia de poetas da nova geração (Ed. Pongetti, 1950), este livro foi organizado com Ciro Colares e Raimundo Araújo. No ano seguinte veio a lume A moderna poesia brasileira (Ed. Pongetti, 1951) que ele atuou sozinho na organização. A sua estreia enquanto autor solo se deu em 1952 com a publicação de Noções de poesia e arte, que lhe rendeu elogios, por exemplo, de Oswald de Andrade.

O salto para o romance se deu em 1964 com a publicação de O dragão, que é o primeiro volume da trilogia da maldição, composta ainda com os romances Os verdes abutres da colina e João Pinto de Maria (biografia de um louco), editados em 1974. Em 1968 é publicado o romance Entre o sexo a loucura a morte que, segundo José Lemos Monteiro, aborda os principais temas alcidianos. Ainda sobre este último romance, é importante salientar que ele foi censurado pela Ditadura Militar, talvez por isso que ele não tenha sido reimpresso, e nem tampouco ganhou uma segunda edição. A bibliografia de José Alcides Pinto é vasta e comentar livro a livro em um curto espaço de texto seria inviável.

Por isso que esta exposição serve também como um convite para que os visitantes se sintam curiosos em ler algo deste autor cearense. A sua vida é tão curiosa quanto a de seus livros. Separamos algumas dessas excentricidades do nosso setor de periódicos/jornais, que fica no andar logo acima. Alguns dos fragmentos desta vida andarilha chegaram até nós, e agradecemos muito por cada um dos que nos ajudaram. Este momento é de reler e espalhar a obra de José Alcides Pinto às novas gerações.

O autor é cearense, ele nos pertence. É nosso direito conhecê-lo melhor, não apenas porque ele nasceu em nosso estado, mas porque as suas palavras ecoaram forte em outros lugares. Seus livros saíram por editoras do eixo Rio/São Paulo, além dele ter tido poemas traduzidos para o francês e romeno, além de um conto traduzido para o esperanto. Sua peça de teatro Equinócio foi sucesso de público e crítica nas três ocasiões em que foi levada ao palco.

Em 2008 José Alcides Pinto foi agraciado com o prêmio Machado de Assis pela Academia Brasileira de Letras. Uma honraria que coroou uma rica produção de mais de 50 livros e quase 60 anos de produção literária. Infelizmente o autor não pode receber o prêmio. No dia 02 de junho, ao atravessar a rua em segurança, uma motocicleta invadiria a calçada para tirar a vida de um dos maiores autores da Literatura Brasileira.

Os desafios da recepção | Entrevista com Léo Prudêncio

Léo Prudêncio (@prudencio_leo) fez mestrado em literatura e crítica literária pela pela PUC-GO e publicou os seguintes livros de poesia: Baladas para violão de cinco cordasAquarelas: haicaisGirassóis maduros e Curral de peixesO clitóris de Safo é seu quinto livro de poemas. O autor nasceu em São Paulo, mas vive no Ceará, na terra de Belchior.

Para ele, uma grande realização seria escrever um cordel. E segundo ele, cuidar de plantas “é quase a mesma coisa que cuidar de um poema.”


Caixa-preta é o quadro de entrevistas deste blog. E sendo caixa-preta “qualquer sistema, organismo, função, etc., cujo funcionamento ou modo de operação não é claro ou está envolto em mistério”, representa uma ideia que se aproxima da literatura.

Na sexta-feira, a cada quinze dias, confira uma nova entrevista.


O que a escrita causa em você?

Enquanto escrevo, apenas escrevo. O que vem depois é sempre quando algum texto sai da gaveta e fica público.

Qual a maior aventura de um escritor?

Publicar. Escrever é sempre algo pessoal, íntimo, mas a publicação envolve uma desapropriação daquele material e até um desapego também. Isso de desapego é uma aventura que tem rendido narrativas e poemas. Outra aventura que posso citar é a da recepção, sempre variada, quando encontro com alguém que leu algum livro meu, ou algum poema isolado, é sempre uma aventura de autoconhecimento.

Que livro você gostaria de ter escrito?

Qualquer um no estilo do cordel. Tenho muita admiração por quem escreve cordéis, acho a escrita dos cordelistas tão visceral, no sentido da linguagem mesmo, aquela coisa de desarticular a linguagem pra fazer ela caber num verso de viola é muito visceral isso. Um dia talvez eu consiga, pra mim seria uma grande realização.

Que livro você jamais escreveria?

Livros que romantizam a emigração de nordestinos. Só quem viveu isso na pele sabe o quanto é difícil. Eu não gosto dessas coisas.

O que ainda falta ser dito em literatura?

Acho que boa parte já foi dita, o que muda mesmo é a linguagem da mensagem.

Livro bom é…

aquele cuja história ressignifica o leitor.

Escritor é uma criatura…

comum, que paga contas e que vive às turras com o SERASA e o SPC.

Qual o papel de um escritor na sociedade?

Provocador, sempre.

Qual o maior aliado de um escritor?

Duas coisas: Borracha, para o papel, e a tecla Delete, para o computador.

Como encontrar a palavra certa, o termo justo, a frase ideal?

Não discutir com o tempo, saber esperar.

O quê que não dá para ser dito com palavras?

(silêncio)

Se você pudesse, o que diria para o algoritmo?

Falta muito ainda pro apocalipse?

E se você pudesse mudar o lema da bandeira nacional para um que representasse o Brasil atual, para qual seria?

Eu deixaria em branco.

Qual a melhor maneira de encarar a página em branco?

Saber que ali é um palco vazio à espera de quem a preencha.

Qual a sua maior alegria ao escrever?

Observar a construção de um poema.

Se você não pudesse mais escrever, o que faria?

Cuidaria de plantas, que é quase a mesma coisa que cuidar de um poema.

A literatura em uma palavra.

Resistência.

Qual a coisa mais importante que você aprendeu com a escrita?

Com esse meu recente livro de poemas (O clitóris de Safo) aprendi que não devemos ter receio da recepção do leitor, por mais delicada que seja a temática, haverá quem saiba apreciá-la.

Qual sua definição de felicidade?

Um estado transitório da alma.

O que faz você continuar escrevendo?

A falsa ideia de continuidade.

*Entrevista organizada ao som do disco Dois, da Legião Urbana

Entrevista para Paulo Henrique Passos, link: https://phenriquepassos.wordpress.com/2023/04/28/os-desafios-da-recepcao-entrevista-com-leo-prudencio/

Entrevista para o jornal O Povo (Lúcio Flávio Gondim)

Poeta Léo Prudêncio vai da mitologia ao funk no livro “O clitóris de Safo”, obra que mergulha nas concepções de desejo e compõe movimento erótico na produção cearense

Eros anda solto na literatura feita no Ceará! O Vida & Arte entrevista hoje o poeta Léo Prudêncio autor do pornográfico “O clitóris de Safo” (Editora Urutau) em que Mitologia, Filosofia, Literatura, Funk Proibidão e Internetês se reúnem para celebrar o banquete do corpo. Para o delírio de deusas e humanas, Léo fala do recém-ingresso no programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará e dá algumas percepções do Desejo por ele vislumbrada (e praticada), brevemente verificáveis no erótico Selo Manga Rosa, da editora independente Oia, do qual ele será responsável.

Começando pela novidade, você acaba de ingressar no doutorado em Letras para estudar o cearense José Alcides Pinto. Fale sobre seu projeto de pesquisa!

Léo: Zé Alcides, ou JAP, é um dos grandes nomes da nossa literatura e que figura como um dos pioneiros do concretismo em nosso estado. A produção erótica do Zé, por incrível que pareça, ainda foi pouco explorada pelos críticos. É sobre essa face erótica, por vezes pornográfica, que eu irei estudar na minha tese. Eu descobri a obra alcidiana antes de ingressar no curso de Letras, eu frequentava bastante a Biblioteca Municipal de Sobral e lá descobri muita coisa da nossa produção cearense, lembro de ler e reler várias vezes os dois volumes dos “Poemas escolhidos”. A prosa alcidiana eu só fui me interessar quando fui acadêmico de Letras, comecei pelo livro “O dragão”, que é o meu predileto. Na verdade eu sempre fui um leitor de poesia, nunca me senti um grande leitor de prosa. Descobri o prazer da leitura aos catorze anos, sonhei em cursar Letras, e nunca imaginei que algum dia eu iria cursar doutorado. As pessoas às vezes falam em sorte, mas ninguém imagina as coisas que a gente deixa de viver ou de adquirir. Eu sou o primeiro da minha família a ingressar num curso de doutorado e espero não ser o único.

Você vem sendo apontado como um dos produtores de um “boom” da literatura erótica vivido pela produção escrita cearense. Em “O clitóris de Safo”, Filosofia, Mitologia, Literatura e Internet estão literalmente conectadas. Como sua poesia se distingue nesse cenário erótico e caótico da atualidade?

Léo: Essa temática sempre retorna com força quando estamos diante de algum governo autoritário. No Ceará, a meu ver, essa temática ganha outro contorno com a publicação de “Relicário pornô”, do já falado nesta entrevista, José Alcides Pinto e pra mim ele foi o pioneiro da literatura pornográfica produzida no Ceará. O erotismo tem ressurgido por aqui graças a iniciativas de autoras, como a antologia “O olho de Lilith”, organizado pela poeta Mika Andrade, e o livro de contos “Orgasmo santo” da Kah Dantas, essas publicação ajudaram a recolocar o erótico nos debates e nas produções do Ceará. Somente neste ano foram editados, até onde eu me lembro, cinco livros com essa temática em nosso estado: “Cierzo” de Nádia Camuça, “Humaníssimo gemido” da Vitória Andrade, “As delícias” de Tércia Montenegro, “Flor do aguapé” de Cláudio Rodrigues e o meu livro “O clitóris de Safo”. Eu acho que a minha poesia se distingue neste cenário justamente pelos elementos que você citou, eu gosto desse diálogo do contemporâneo com o clássico e tem muito daquilo que Susan Sontag e Lyn Hunt definiam como estética da pornografia: a sátira, a intertextualidade, o riso, a carnavalização do códigos de linguagem, a paródia etc. O erótico nos humaniza, não há motivos pra gente ficar com receio ou vergonha de ler ou escrever sobre algo que é essencialmente humano. Até porque o desejo está intrinsecamente ligado à ideia que temos sobre o amor.

Você é paulistano, fez mestrado em Goiás, onde seu primeiro livro foi premiado, e mora hoje em Granja. Nesse itinerário, quais barreiras e portas se apresentam à causa de sua identidade mista?

Léo: Morei em Sobral durante quase vinte e cinco anos da minha vida. Sou grato por tudo o que vivi por lá. Sempre volto a Sobral, atualmente moro em Granja, que é uma vivência da qual nunca havia experimentado, que é morar em um lugar pacato sem muita agitação ou baladas. Tenho gostado de morar aqui em Granja, a cena literária e cultural daqui merece ainda um destaque, tendo em vista que três padeiros da famigerada “Padaria espiritual” eram naturais daqui. Voltar ao Ceará depois de sete anos morando em Goiás tem sido mais uma saga de reconstrução… tudo de volta à estaca zero, outra vez. Goiânia representa uma parte da minha vida que foi de bastante importância, foi a minha escola. Passei por situações limites e algumas até decepcionantes, como os casos de xenofobia, mas não foi de todo uma experiência ruim. Escrevi quatro dos cinco livros que publiquei e voltei com diploma de mestre em Literatura e crítica literária, sem contar na bagagem cultural que uma capital pode nos oferecer com os cinemas, shows e exposições de arte. Andarilhei bastante pelas ruas goianienses. Acredito que nada é por acaso. Eu tive que viver toda aquela experiência que foi traumática por um lado mas enriquecedora por outro. Toda essa vivência, ou parte dela, aparece nas entrelinhas dos poemas do meu livro “Girassóis maduros”, que completou cinco anos de publicação.

Seu último livro vem ganhando algumas resenhas, críticas acadêmicas e pautas jornalísticas como esta nossa. Ao contrário do que se possa comumente imaginar, você é bastante presente tanto em algumas construções quanto na divulgação dessas recepções. Lutar pela acolhida das obras é um dos papéis do artista contemporâneo?

Léo: Eu sempre deixei acontecer, se o trabalho for realmente bom as pessoas vão te procurar, eu tenho muito cuidado com os livros que publico, “O clitóris de Safo” estava sendo preparado há pelo menos uns 3 anos. Na verdade, a gente não faz nada sozinho, sempre tem alguém ali te ajudando de alguma forma e eu sempre tive sorte por ter pessoas sinceras ao meu lado. É importante citar que algumas pessoas chegaram a ler trechos antes de publicado, foram elas: Navegantes Alves, Renato Pessoa e Thiago Medeiros. Eu não me preocupo tanto com acolhida crítica… mas eu tive muito receio da recepção deste trabalho. Até cogitei a possibilidade de editar com pseudônimo. “O clitóris de Safo” foi bem recebido e, como você disse, tem ganhado alguns trabalhos acadêmicos, um feito inédito pra mim. A boa acolhida começou quando a gente conseguiu vender os exemplares necessários para cobrir os custos de edição na pré-venda feita pela Editora Hecatombe (selo político da Editora Urutau). Diferente dos outros trabalhos eu exigi que esse fosse editado sem texto de apresentação, posfácio ou comentários na orelha. O livro foi entregue nu ao leitor. Eu não confio nisso que chamam de inspiração, então fiz uma longa pesquisa sobre Erotismo e Pornografia na Literatura pra poder ter o domínio da linguagem erótica, nessa pesquisa acabei encontrando o tema do que seria o meu projeto de pesquisa de doutorado. Agradeço sempre cada leitura e cada comentário das pessoas que leram “O clitóris de Safo”, sou grato por cada um desses leitores. Eu nunca fui tão divulgado como estou sendo com esta obra. Safo seja louvada!

Publicada em: https://mais.opovo.com.br/jornal/vidaearte/2023/01/31/da-mitologia-ao-funk-poeta-leo-prudencio-reflete-sobre-a-linguagem-erotica.html

“POESIA É O TABACO DA GIA”: PORNOGRAFIA E HUMOR NO LIVRO O CLITÓRIS DE SAFO (2022), DE LÉO PRUDÊNCIO – Caio Lemos Sales (UFC)

Sapho/ British museum

Foi publicado no Caderno de resumos do 4º Colóquio da Língua de Eros da Universidade Federal do Ceará (UFC) um resumo de um trabalho acadêmico referente ao livro O clitóris de Safo. Em menos de um ano de publicado o nosso livro já alcançou voos incríveis. Grato ao acadêmico Caio por escolher estudar um livro de um autor ainda em atividade. Abaixo o resumo:

RESUMO
No quinto livro de Léo Prudêncio, O clitóris de Safo (2022), o poeta e crítico literário se utiliza da linguagem pornográfica e humorística para descentralizar o cânone literário ocidental e repensar as ideias de amor romântico e de sagrado, a exemplo de Adélia Prado, Angélica Freitas, Cassandra Rios e Hilda Hilst, propondo novas referências para a literatura contemporânea brasileira, por meio da elaboração de uma poética avacalhada, deslizante e nonsense. Neste trabalho, serão analisados seus poemas e investigadas as consequências da relação entre pornografia e humor presentes na obra mais recente do autor, através, principalmente, dos artigos de Claudicélio Rodrigues e Eliane Robert Moraes e do livro A invenção da pornografia (1999), de Lynn Hunt.

Palavras-chave: Amor; Cânone literário; Humor; Poesia brasileira; Pornografia.

Texto de Mendes Jr. (girassóis maduros)

“Tú eliges el lugar de la herida / en donde hablamos nuestro silencio”, escreveu Alejandra Pizarnik (“Arpa de silencio / en donde anida el miedo.”) Rimbaud disse certa vez que nutria esperança de inventar um verbo poético que fosse acessível a todos os sentidos. Acredito que esse verbo seja o “silenciar”. É no silêncio a morada dos sentidos. O verso do poeta Léo Prudêncio “parte do silêncio e de voos / soerguidos ao nada”, ou, por outra, sua poesia é “uma pausa / entre silêncio e outro / silêncio.” Os vazios – se os há – são preenchidos por pequenas observâncias, metáforas coloridas e simbólicas, e se bem reparar o chão pode ser céu, o chão pode ser poética – “o que me ampara é o / chão”; “as nuvens ficaram / rente ao chão.”; “fui feito de chão” – e a poesia, contaminada pelo silêncio, floresce nesta síntese, afinal há “um cardume de silêncios” a encantar nós leitores. Recordo de uma passagem de “Sonho de uma noite de verão”, de Shakespeare: “O olho do poeta, num delírio excelso, passa da terra ao céu, do céu à terra” (Ato 5, Cena 1).

O silêncio pode ser usado para contemplar a lua florescendo às 5 da tarde, a estrela se despindo de silêncio e pássaros nadando no ar, passarinhando. Muito pode ser dito sobre os girassóis de Prudêncio, ambientados na Goiânia que um dia também foi dele, mas me encanta seus bichos – o camaleão que se pinta de sol, o caramujo andarilho e mochileiro errante, o jabuti que consegue atravessar uma lagoa e o gatinho que se perde em vaga-lumes. Poesia é instante, é silêncio é enxergar. A plateia pode ser solitária como o poeta; ainda que tente, difícil camuflar o pranto, esconder-se do déjà-vu.

Alessandra Bessa, que assina o pósfácio de “Girassóis maduros”, escreveu uma coisa bonita, e aqui reproduzo: “o amor inverte o mundo que é plantado e é cheio das verdades humanas. o homem é um girassol – e o amor é o que gira – e que o faz aos poucos amadurecer diante da imensidão de si mesmo.” Eis o poema 27: “aprender a se des- / -prender de si: como as folhas / secas das árvores”.